À medida que a inteligência artificial (IA) redefine a forma como o conhecimento é produzido, compartilhado e aplicado, o desafio global de formar uma força de trabalho científica e de engenharia preparada para IA tornou-se uma prioridade estratégica. A transformação que antes se limitava a campos como o desenvolvimento de software e o marketing agora permeia as disciplinas fundamentais da ciência, engenharia e pesquisa aplicada. Este movimento não se trata apenas de adotar novas ferramentas, mas de reimaginar como a ciência é conduzida, como o conhecimento é construído e como as futuras gerações de pesquisadores irão pensar e inovar em um mundo moldado pela IA. Enquanto empresas e governos investem pesadamente em infraestrutura e modelos de IA, as universidades e laboratórios de pesquisa enfrentam uma missão igualmente desafiadora: educar profissionais que compreendam a IA não como um adendo tecnológico, mas como um componente intrínseco ao processo científico. Ignorar essa transição significa correr o risco de perder competitividade global, limitar a inovação e criar um hiato de competências que pode atrasar décadas de progresso científico. Este artigo aprofunda-se nas estratégias, programas e iniciativas que estão moldando uma nova geração de cientistas e engenheiros preparados para trabalhar lado a lado com sistemas inteligentes, baseando-se em exemplos concretos de universidades, laboratórios nacionais e programas emergentes de educação STEM voltados à IA. O desafio estratégico de preparar cientistas e engenheiros para a IA O avanço acelerado da IA generativa — e, mais recentemente, dos agentes de raciocínio autônomos — está provocando uma mudança estrutural no modo como a pesquisa científica é conduzida. Tradicionalmente, a ciência sempre foi impulsionada pela capacidade humana de formular hipóteses, conduzir experimentos e interpretar resultados. Agora, a IA começa a intervir em todas essas etapas, automatizando tarefas analíticas, propondo novas hipóteses e até mesmo escrevendo propostas de pesquisa. Segundo o Relatório DORA 2025 do Google, 90% dos desenvolvedores já utilizam IA para apoiar seu trabalho de software, e quatro em cada cinco relatam aumento de produtividade. Esse comportamento está sendo replicado no meio acadêmico: o Relatório de Tendências de IA na Educação 2025, da Copyleaks, revela que 90% dos estudantes já usam IA em atividades acadêmicas, com 29% fazendo uso diário da tecnologia. A evidência é clara — a IA está deixando de ser experimental e se tornando parte do tecido cognitivo das instituições de ensino e pesquisa. Para a ciência e a engenharia, o desafio é mais complexo. Essas áreas dependem de rigor metodológico, reprodutibilidade e validação empírica. Incorporar IA nesse contexto exige que os profissionais dominem tanto os princípios científicos quanto os fundamentos computacionais da IA. A formação tradicional de cientistas e engenheiros, baseada em métodos analíticos lineares, precisa evoluir para integrar pensamento probabilístico, aprendizado de máquina e engenharia de dados. As consequências da inação: o risco de um déficit cognitivo tecnológico Ignorar a formação de cientistas e engenheiros preparados para IA representa não apenas uma lacuna educacional, mas um risco sistêmico. À medida que a automação cognitiva se expande, as organizações que não atualizarem suas equipes perderão eficiência, capacidade de inovação e relevância científica. A dependência de métodos manuais para análise de dados, modelagem ou interpretação de resultados pode se tornar um gargalo crítico em ambientes de pesquisa competitivos. Além disso, há o risco de uma polarização cognitiva: enquanto um pequeno grupo de instituições dominará a IA aplicada à ciência, outras permanecerão presas a paradigmas ultrapassados. Isso pode ampliar as disparidades entre centros de pesquisa, países e setores produtivos, comprometendo o desenvolvimento tecnológico global e limitando a capacidade de resposta a desafios complexos como mudanças climáticas, energia limpa e saúde pública. Em termos de negócios e inovação, as empresas que não investirem em capacitação para IA em engenharia e P&D poderão ver seus ciclos de desenvolvimento se tornarem obsoletos. A IA não apenas acelera a descoberta — ela redefine o processo de descoberta. Fundamentos da nova educação científica orientada por IA A mudança de paradigma começa na reestruturação da própria educação científica. O Argonne National Laboratory, referência em pesquisa aplicada e membro fundador do Trillion Parameter Consortium (TPC), deu um passo decisivo ao sediar o primeiro AI STEM Education Summit. O evento reuniu quase 200 educadores e líderes acadêmicos com o objetivo de discutir um ecossistema educacional que forme uma força de trabalho STEM preparada para IA. Para o diretor do Argonne, Paul Kearns, a missão é clara: preparar a próxima geração de cientistas e engenheiros capazes de usar IA para resolver desafios globais. Já Rajeev Thakur, vice-diretor de Ciência de Dados e Aprendizado do laboratório, destacou que o verdadeiro legado da IA não virá das ferramentas, mas das pessoas capazes de aplicá-las em problemas reais de energia, segurança e saúde humana. Essa visão revela um princípio central: a formação científica moderna precisa ser interdisciplinar. Os futuros cientistas devem entender como combinar modelos de IA com simulações físicas, como interpretar resultados de redes neurais e como avaliar o viés algorítmico em contextos experimentais. A IA deve ser tratada não como um acessório, mas como uma lente pela qual a ciência é reinterpretada. Implementação estratégica: programas que moldam o futuro da ciência com IA Enquanto Argonne trabalha na capacitação de professores e educadores, o National Energy Research Scientific Computing Center (NERSC) adotou uma abordagem mais direta, voltada ao treinamento prático de estudantes. O centro lançará uma série de treinamentos remotos para ensinar como combinar simulações científicas com IA, integrar fluxos de inferência em larga escala e compreender o papel dos aceleradores de IA na pesquisa científica. Essas iniciativas refletem uma transição essencial: a educação não se limita mais ao ensino dos fundamentos, mas à aplicação prática de IA em ambientes de HPC (High Performance Computing) e pesquisa aplicada. O treinamento em IA para ciência é, portanto, tanto técnico quanto filosófico — envolve aprender a pensar com a IA. O professor Alexander Rodríguez, da Universidade de Michigan, é um exemplo de como a academia está liderando essa mudança. Seu curso “IA para Ciências” foi lançado em 2024 com o objetivo de ensinar aos alunos como aplicar IA ao


















